Mostrando postagens com marcador história. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador história. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

5 histórias que muitos assumem estar na Bíblia, mas não estão


Considerando o fato de que a Bíblia cristã é o livro mais popular da história da humanidade, é surpreendente o quão pouco as pessoas sabem sobre o que realmente está escrito nele.
Claro, é um texto complicado que foi compilado e traduzido para diferentes línguas ao longo de milhares de anos, de forma que sua interpretação às vezes é confusa. No entanto, um monte de histórias e personagens que todo mundo associa com a Bíblia não são exatamente verdadeiras. Elas foram distorcidas ou construídas pela cultura popular, ao invés de se basearem no verdadeiro conteúdo da obra. Como:

5. Sodoma e Gomorra foram destruídas por causa da homossexualidade de seus moradores

historias distorcidas biblia 5

Se você perguntar a alguém para apontar uma parte da Bíblia onde Deus condena especificamente a homossexualidade, provavelmente a resposta será Gênesis 19, a história de Sodoma e Gomorra.
A história popular é que Deus destruiu essas duas cidades devido à homossexualidade desenfreada (é inclusive daí que vem a palavra “sodomia” como a conhecemos hoje), enviando dois anjos para extrair de lá apenas Ló, o único cidadão não gay, e sua família antes da ira descer na região.
O problema é que não há absolutamente nenhuma referência na Bíblia sobre qualquer pessoa em Sodoma ser gay. Mesmo que houvesse, essa nunca foi a razão para a ira de Deus. Se qualquer coisa, o maior pecado do povo de Sodoma foi que eles realmente odiavam gente de fora.
Na história, Deus envia dois anjos em forma humana para Sodoma para visitar a casa de Ló e informá-lo de que ele devia fazer as malas porque alguma coisa séria, estilo Antigo Testamento, estava programada para acontecer ali no dia seguinte. Isso porque o povo de Sodoma era “mau” e os seus pecados eram “graves” – nada mais específico do que isso. Mas quando os vizinhos de Ló viram que ele tinha visitantes de fora da cidade, reuniram suas tochas e foram mostrar aos estrangeiros sua incrível hospitalidade (eles faziam isso, aparentemente, batendo e estuprando).
É verdade que a turma de linchadores de Sodoma fez uma ameaça clara de estupro contra os visitantes (masculinos) de Ló. A citação da Bíblia, versão autorizada de King James em português, é: “Traze-os aqui fora para que tenhamos relações sexuais com eles!”. Em inglês, não é bem assim. Seria algo como “Traze-os aqui fora para que possamos conhecê-los”, muito embora, em discurso bíblico, “conhecer” alguém não significasse exatamente tomar um cafezinho juntos.
Muitos interpretam isso como evidência de quão louco o pessoal de Sodoma era por sexo gay. Só que fazer uma ameaça de estupro não torna uma pessoa gay. Na verdade, a torna um idiota violento (as prisões que o digam). Sem contar que essa linha é a única referência a qualquer tipo de atividade sexual em toda a história. Quando a Bíblia esclarece mais tarde o que Sodoma tinha feito para irritar Deus, o que é dito é que as pessoas de lá eram preguiçosas, arrogantes e pouco caridosas.

4. Os sete pecados capitais

historias distorcidas biblia 4

Você provavelmente sabe quais são os “sete pecados capitais” por causa do filme Se7en, mesmo se nunca pôs os pés em uma igreja. Estes são supostamente os sete piores pecados que você pode cometer: gula, orgulho, luxúria, avareza, ira, preguiça e inveja.
Se você está folheando a Bíblia procurando por eles, esqueça. Eles não estão lá. Se alguém tivesse dito isso para o personagem de Kevin Spacey no início, ele teria economizado meses de trabalho.
Os sete pecados são muito amplos, englobando praticamente qualquer tipo de delito que você possa pensar. De fato, esse é exatamente o ponto – os sete pecados capitais não são uma lista de regras tiradas da Bíblia, como os Dez Mandamentos. Eles foram formulados pela Igreja Medieval como uma maneira fácil de classificar todos os pecados.
Ao invés de um guia ditado por Deus, eles eram mais como uma espécie de “compilação” feita para tornar as 10 bilhões de regras da Bíblia um pouco mais digeríveis para o público em geral, já que quase ninguém tinha uma cópia real do livro (aquela coisa dos livros não serem impressos e precisarem ser copiados a mão era realmente um problema na época).
Então, os pecados capitais foram ditados pela primeira vez no século VI pelo Papa Gregório I, cuja intenção era chegar a uma pequena lista de elementos básicos de coisas que geravam a ira de Deus. Logo, esses pecados fizeram a transição da mitologia obscura para cânone da Bíblia quando Dante escreveu seu poema épico “A Divina Comédia”, mais conhecido por seu popular capítulo “Inferno”. Ele é dividido em sete círculos com base nos sete pecados mortais. Esses sete círculos, é claro, também estão longe de serem encontrados na Bíblia.
3. Purgatório
historias distorcidas biblia 3
Purgatório é supostamente o lugar para onde você vai se não é mau o suficiente para merecer o inferno, mas também não é santo o suficiente para ganhar uma cabaninha no céu. É como uma espécie de saguão de aeroporto em seu caminho para a salvação – se Deus não está bastante confiante de que você está carregando uma bomba cheia de pecado na sua mala, então você precisa passar pelo raio-X da justiça antes de embarcar para a felicidade eterna.
Na realidade, o purgatório não é algo que a Bíblia descreve literalmente; é mais algo que a doutrina católica sugere que deve existir a fim de resolver o problema de onde as pessoas vão depois que morrem, caso não tenham cumprido os requisitos de entrada no céu ou inferno.
Segundo a doutrina católica oficial, a existência do purgatório foi decidida durante o Concílio de Florença em 1431, porque a Bíblia não especifica seus termos de forma suficientemente clara (tipo, algumas pessoas decidiram que Deus não ficaria chateado se eles inventassem alguns detalhes para serem acrescentados no mundo que Ele criou).
Mas os teólogos logo descobriram um outro problema com a escritura: para onde os bebês vão quando morrem antes de terem a chance de ser batizados? E o que acontece com os justos que viveram e morreram antes de Jesus nascer?
Deus não seria tão cruel de mandá-los direto para o inferno, certo? Logo, vem o conceito de limbo, que, distinto do purgatório, é como uma cela temporária para as almas daqueles que mereciam ir para o céu, mas morreram antes da crucificação de Jesus ou eram demasiado ignorantes (por exemplo, bebês) para perceber que nasceram no pecado.
E dado que os conceitos de purgatório e limbo foram inventados depois que a Bíblia foi escrita, nunca entraram no discurso popular até Dante escrever sobre eles. É, parece que a galera gosta mais de espalhar a palavra de Dante que de Jesus.

2. A prostituta Maria Madalena

Appearance of Christ to Mary Magdalene

Maria Madalena é uma das personagens femininas mais famosas da Bíblia. O que a maioria das pessoas pensa é que ela foi discípula de Jesus (ofuscada por 12 caras muito mais famosos), que foi uma prostituta a quem Jesus perdoou, e que depois passou a segui-lo, lavando seus pés e se redimindo de uma vida de pecado. Alguns especulam que ela era a favorita de Cristo, levando a teorias da conspiração sobre a igreja ter encobrido o fato de que eles se casaram.
A realidade, no entanto, é que a Bíblia não fala quase nada sobre ela. Claro, Maria Madalena aparece nos Evangelhos como uma discípula de Jesus, mas é basicamente só isso. Ela não era uma prostituta e não era a única mulher em sua comitiva – outras mencionadas são Joana, mulher de Cuza e alguém chamada Susana.
Basicamente, os mitos que cercam a vida de Madalena surgiram quando as pessoas começaram a confundi-la com outras pessoas, por conta do fato de que há demasiadas mulheres na Bíblia chamadas Maria. Na verdade, existem dois outros personagens que foram consideradas “Maria Madalena” apenas por compartilhar o que foi provavelmente o nome mais popular da era – Maria de Betânia, irmã de Lázaro, que cozinhou um jantar para Jesus porque parecia a coisa certa a fazer depois que ele ressuscitou seu irmão, e uma mulher “que viveu uma vida de pecado”, que pode ou não ter sido chamada Maria também.
Ambas essas outras Marias cumprimentam Jesus jogando perfume em seus pés e limpando-o com seus cabelos, o que aparentemente era apenas uma coisa normal na época (ninguém na história parece pensar que isso é estranho). Mas a Igreja Católica medieval presumivelmente decidiu que tinha muitos personagens na Bíblia e que as pessoas iriam confundir todas essas Marias, lançando um decreto oficial que todas as três mulheres eram a mesma pessoa.
A igreja voltou atrás dessa alegação em 1969, mas como a maioria das pessoas não acompanha as minúcias do dogma católico, o mito é que Maria Madalena é a única tal “mulher pecadora” que limpou os pés de Jesus com seus cabelos. Aliás, a Bíblia não especifica que seu “pecado” significa que ela era uma prostituta. No entanto, as pessoas imediatamente terem assumido isso diz muito sobre a nossa sociedade.

1. Satanás provavelmente não é uma pessoa só

historias distorcidas biblia 1

Esse é um tópico de muita controvérsia – segundo a tradição cristã tradicional, Satanás foi um dos primeiros anjos e originalmente um dos favoritos de Deus, até que se rebelou e foi expulso para a Terra, onde se tornou o príncipe das trevas e o principal antagonista do bem. Mesmo que você não seja muito religioso, provavelmente supõe que esse cara tem um papel significativo na Bíblia.
Não é bem assim. Primeiro de tudo, a maioria das referências da Bíblia ao ser que pensamos como Satanás na verdade provavelmente referem-se a entidades completamente diferentes. Não é tudo uma criatura só. Por exemplo, a serpente no Jardim do Éden que convenceu Eva a comer do fruto proibido era provavelmente apenas uma serpente falante ao invés de um demônio que muda de forma, como evidenciado por Deus amaldiçoando-o a rastejar em sua barriga pela eternidade.
Mais tarde, no Antigo Testamento, a palavra “Satanás” é apenas usada para significar “adversário”, da maneira que “anticristo” foi usado para se referir a qualquer um que odiava os cristãos.
O mais estranho de tudo é que, em uma das poucas vezes que Satanás realmente aparece com um papel na Bíblia, ele é descrito como uma espécie de conselheiro de Deus. Na história de Jó, Satanás é um dos muitos anjos que frequentam o tribunal de Deus no reino celestial. Jó é o humano favorito de Deus devido ao seu senso de justiça, mas Satanás sugere que talvez ele não seria tão justo se Deus tirasse sua riqueza e família. Deus decide que Satanás tem um bom argumento e que seu conselho é uma boa ideia, seguindo-o.
Também parece que se referir ao diabo como Lúcifer foi apenas um erro, um simples mal-entendido – o autor de Isaías 14 tirou esse nome de um rei babilônico, comparando-o a descida do planeta Vênus (que se traduz aproximadamente a “brilhante estrela da manhã”). Tradutores posteriores depois decidiram que essa era uma referência a tal da única criatura demoníaca por trás de todo o mal.
Finalmente, o personagem de Satanás como o general em uma grande batalha contra Deus, que aparece no livro do Apocalipse, é uma das únicas vezes em que uma descrição física é feita de tal indivíduo. (Caso você não saiba, as versões do diabo com rabo, chifre, tridente, pele vermelha, são todas invenções da cultura pop). E o que é falado desse Satanás? Que ele é um dragão. Diversas vezes, aliás. Uma delas é a citação: “Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos” Apocalipse 20:2.
Hypescience

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Como era o verdadeiro rosto de Jesus Cristo?

Se você tivesse que descrever a aparência de Jesus, como você imaginaria as suas feições? Você diria que o messias supremo do cristianismo tinha a pele clarinha ou mais morena? E a cor dos olhos e dos cabelos de Cristo, você acha que suas madeixas eram quase louras e os olhos dele eram azuis como vemos em muitas de suas representações? Com respeito à estatura e ao porte físico, você teria algum palpite?
Na realidade, apesar de Jesus ser uma das figuras históricas mais emblemáticas, influentes e conhecidas do planeta, foi só bem recentemente — mais precisamente, em 2001 — que um grupo de cientistas forenses conseguiu reconstruir a imagem de como possivelmente era o seu rosto. Afinal, as descrições que existem na Bíblia são um pouco vagas, e nenhum dos artistas que reproduziu imagens de Cristo encontrou pessoalmente o Homem!

Reconstruindo o passado

O resultado foi revelado em um documentário produzido em parceria entre a BBC e o Discovery Channel. E para conduzir a reconstrução, os pesquisadores empregaram as tecnologias mais avançadas que tinham à mão na época, assim como o crânio de 2 mil anos de um homem judeu, documentos antigos e técnicas forenses.
O rosto de Jesus, como você verá logo mais, provavelmente era muito diferente daquele que estamos habituados a ver. Mas, antes de você conferir qual era (a possível) aparência “verdadeira” de Cristo, que tal descobrir como a representação de sua imagem evoluiu ao longo da História?

1 – Primeiras imagens

Uma das representações mais antigas de Jesus de que se tem notícia é a que você poderá ver na imagem seguir. Datada do ano 235, a imagem foi descoberta entre os frescos que cobrem as paredes de uma sinagoga da cidade de Dura Europos, na Síria. Veja:
A figura, embora não seja muito nítida, retrata um dos milagres de Cristo, “A Cura do Paralítico”. Nela, podemos ver Jesus com os cabelos curtos e encaracolados e vestindo uma simples túnica e sandálias. O exemplo abaixo, descoberto na Espanha no ano passado, consiste em uma gravura sobre um prato de vidro do século 4 que também mostra o messias sem sua icônica barba.

2 – Os cabelos e a barba crescem

As primeiras representações de Jesus com os cabelos mais longos e com o rosto coberto de barba começaram a surgir ainda no século 4 — provavelmente inspiradas na forma como os deuses gregos e romanos eram retratados. Um dos exemplos mais antigos é a imagem a seguir, descoberta na Catacumba de Marcelino e Pedro, localizada em Roma.

3 – Menino Jesus

Imagens que retratavam Jesus ainda bebezinho começaram a surgir por volta do século 4, pelo menos, e um dos exemplos mais emblemáticos é o mosaico do século 6 que você pode conferir a seguir:
Localizada na Basílica de Santa Sofia — que fica em Istambul, na Turquia —, a obra mostra a Virgem Maria embalando Jesus em seus braços, enquanto os Imperadores Bizantinos presenteiam o Menino com a (então) cidade de Constantinopla.

4 – Cristo acompanhado

Uma das imagens mais antigas de Jesus acompanhado de seus apóstolos foi descoberta em 2010 nas Catacumbas de São Tecla, localizada em Roma. Os arqueólogos estimam que o fresco seja do final do século 4 ou início do século 5, e acreditam que a imagem — que traz todos os personagens barbados e São Paulo já ficando careca — serviu de base para muitas representações dos seguidores de Cristo que surgiram depois.

5 – Jesus beatificado

O mosaico que você pode ver a seguir foi encontrado no Mausoléu de Gala Placídia, situado em Ravena, na Itália, e data do século 5. Nele, Cristo é retratado usando as cores reais — roxo e amarelo — enquanto guarda o seu rebanho. Veja:
A obra — conhecida como “O Bom Pastor” — traz Jesus novamente sem barba, mas agora com vestimentas e aparência que remete aos antigos romanos. Além disso, ele aparece com um halo sobre sua cabeça.

6 – Crucificado

As primeiras imagens de Jesus crucificado começaram a surgir a partir do século 5, enquanto a representação mais antiga de Cristo — retratado na cruz ao lado dos ladrões — em um manuscrito apareceu em um livro do século 6 chamado "Evangelhos de Rabbula". Veja:

7 – Morto e sepultado

Santo Sudário — fascinante relíquia religiosa —, como você sabe, traz o que muitos cristãos acreditam ser a própria imagem de Cristo gravada em sua superfície.
Até hoje sua legitimidade é discutida por religiosos e cientistas de todo o mundo — afinal, o lenço de linho foi extensivamente analisado por equipes de cientistas que, primeiro, determinaram que algumas partes do tecido datam da Idade Média, sugerindo que ele seria uma elaborada farsa e, posteriormente, que o material foi produzido entre 280 a.C. e 220 d.C., ou seja, muito mais próximo da época de Cristo.

8 – Então, qual era a cara dele?

Conforme mencionamos no início da matéria, a Bíblia não é — o que podemos dizer — muito clara quando o assunto é descrever a aparência de Jesus. Então, depois de conduzir extensos estudos, a equipe de cientistas forenses concluiu que, em vez de Cristo ser louro, alto, ter olhos azuis e a pele branquinha, suas feições deveriam ser mais condizentes com as dos judeus de sua época.
De acordo com sua reconstrução, Jesus deveria ter os cabelos curtos, escuros e provavelmente encaracolados, e a tonalidade se sua pele seria mais morena. Além disso, outras características de seu rosto, como os lábios e o nariz, também destoam das feições “europeizadas” com as quais estamos habituados. Confira:
Fatos Desconhecidos

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Quem foi Simone de Beauvoir, que causou polêmica no Enem 2015?



A edição de 2015 do Enem aconteceu nos dias 24 e 25 de outubro e, como todos os anos, há sempre os assuntos mais comentados a respeito da prova. Dessa vez, o que parece ter chamado mais a atenção mesmo foi uma pergunta da prova de Ciências Humanas, que fez referência a uma das citações mais famosas de Simone de Beauvoir. A questão em si contextualizava as lutas feministas da metade do século 20. quando a palavra “feminismo” entra em pauta, vem com ela uma avalanche de polêmicas. Sempre.
O reflexo da questão pôde ser sentido fortemente nas redes sociais, em que pessoas contra e a favor do tema se manifestaram de todas as formas possíveis. Por um lado, ativistas feministas comemoravam a abordagem do assunto. Por outro, antifeministas se revoltavam tanto com a questão em si quanto com a comemoração das feministas e dos defensores da ideologia que prega, basicamente, a igualdade entre os gêneros feminino e masculino.


Feminismo resiste <3 <3 <3
Posted by Empodere Duas Mulheres on Sábado, 24 de outubro de 2015
É interessante perceber que algumas pessoas, principalmente aquelas que não se dizem feministas e também aquelas que não sabem muito bem o que é feminismo, criticaram a autora em questão sem saber muita coisa sobre ela. O que poderia se transformar em um debate interessante acaba virando uma troca de ofensas sem muito sentido. Ora, se um crítico de vinhos estuda o cultivo de cada tipo de uva e a qualidade de produção de cada safra, não seria interessante saber melhor quem foi Simone de Beauvoir antes de sair falando bem ou mal dela?
Temos bastante noção de que muitos de nossos leitores se irritam apenas com a palavra “feminismo” e já prevemos que os comentários neste texto não serão muito educados. Ainda assim, resolvemos falar sobre essa mulher, que pode ter uma legião de odiadores em todo o mundo, mas também fez muita coisa interessante durante a sua vida.

Quem foi Simone de Beauvoir?

Nascida em Paris no dia 9 de janeiro de 1908, Simone de Beauvoir é considerada um dos nomes mais influentes do feminismo moderno. Criada em uma família tradicionalmente católica, optou pelo ateísmo quando ainda era adolescente. Questões relacionadas à existência, no entanto, nunca deixaram de fazer parte de seus interesses – ela só deixou de analisar esses assuntos com base religiosa.
Aos 21 anos, Beauvoir saiu de casa para estudar Filosofia na Universidade de Sorbonne. No ano de sua graduação, em 1929, ela conheceu o famoso filósofo Jean-Paul Sartre, dando início a uma relação amorosa bastante peculiar, que é discutida, criticada e estudada até hoje.
Como os dois eram filósofos, a relação, além de romântica e com um grande cunho de amizade, tinha também uma troca intelectual grandiosa. Pode-se dizer, portanto, que Beauvoir influenciou o trabalho de Sartre, assim como o contrário também é verdadeiro.
O casal estava sempre à frente de seu tempo e buscava quebrar os mais diversos paradigmas. Por não concordarem com os princípios da monogamia, por exemplo, tinham uma relação aberta a experiências amorosas e sexuais com outras pessoas. O casamento também não fez parte da vida do casal, graças à crença de Beauvoir de que o relacionamento deles não deveria ser definido com base em normas institucionais.
Em um primeiro momento, é comum que esse tipo de comportamento provoque estranheza. Acontece que, se pensarmos na questão da Filosofia, apenas, temos conceitos que estão sempre ligados a questionamentos com relação a temas como estruturação social, crenças religiosas, formas de governo e, inclusive, àqueles relacionados a gênero.
Por essência, a Filosofia é justamente esse exercício de análise. No aclamado livro “O Segundo Sexo”, de Beauvoir e de onde foi tirada a citação que foi utilizada no Enem, a autora começa justamente questionando a origem das organizações sociais que nos parecem tão normais hoje.
Quem foi que começou tudo? Quem definiu que homens são superiores às mulheres? Se você está pensando que hoje as mulheres já podem trabalhar, votar e tudo o mais, ao menos no Brasil, saiba que não estamos falando da atualidade, mas de situações mais antigas, que formaram a base da existência do ser humano enquanto criatura social e que, obviamente, influenciam a forma como vivemos até hoje.
Se até os dardos utilizados no atletismo têm origem nas lanças que os homens primitivos usavam para caçar, seria ingenuidade nossa acreditar que decisões sociais tomadas por pessoas sem muito conhecimento científico e psicológico, e que sempre colocaram as mulheres como inferiores, não continuariam a influenciar o comportamento humano. Esse tipo de influência é tão forte e “natural” que nem percebemos que ela existe.
Mulher que era, Beauvoir começou a questionar o papel social do gênero ao qual pertencia – inclusive dentro da própria Filosofia! No mesmo livro citado anteriormente, há uma fala de Pitágoras, filósofo e matemático grego: “Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher”.
Se há alguns séculos a mulher não podia trabalhar, votar ou expressar uma opinião em praticamente toda a sociedade civilizada, podemos concluir que todos os filósofos, pensadores, inventores, artistas, cientistas e políticos de renome eram homens. Agora, sendo simplistas ao máximo, vamos fazer uma comparação: meninos, vocês não sabem, por exemplo, o prazer que o clitóris proporciona nem conseguem conceber a ideia de um orgasmo que dure mais do que alguns meros segundos, certo?
Vocês conseguiriam, então, rapazes, explicar EXATAMENTE o que é um orgasmo múltiplo? A resposta, a gente sabe, é não. E aí você se pergunta como essa autora feminazi maluca e idiota começou a falar de orgasmos múltiplos. Eu explico: se o sexo é um dos fatores que difere homens e mulheres, e se, além disso, é um dos assuntos que mais nos fazem prestar atenção, nada melhor do que ele para explicar que homens não podem falar em nome das mulheres. E vice-versa.
"Eu, Daiana, jamais poderei dizer qual é o prazer que um homem sente quando recebe sexo oral. Simplesmente porque eu não tenho um pênis. Beauvoir, como muitas mulheres, que se dizem ou não feministas, sempre achou errado que o papel social das mulheres fosse ditado por homens. Como os homens poderiam estipular os limites das mulheres se eles não sabiam como era ser mulher?"
A citação usada na prova do Enem – “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher” (p. 361 de “O Segundo Sexo”) – foi escrita pela autora depois de 360 páginas de um texto complexo, que reuniu conceitos biológicos, psicanalíticos e históricos sobre ser mulher. Como boa pesquisadora que era, Beauvoir teve sempre o cuidado de não fundamentar suas publicações com base no que ELA achava, mas sim com base em análises dos mais diversos historiadores, filósofos, religiosos, artistas e formadores de opinião, de um modo geral.
A frase, fora de contexto, pode parecer sem muito sentido, mas quem conhece a obra da autora e a linha de raciocínio dela percebe que se trata de uma síntese de tudo o que ela explica antes: a formação social da mulher, do papel da mulher, com base em uma ideia de inferioridade que surge, na verdade, nas crenças antigas que sempre atribuíram ao gênero feminino a noção de fragilidade, e ao masculino, o de força e virilidade.
Nesse sentido, podemos dizer que ideia enraizada e que ainda persevera é a de que o homem, enquanto criatura dona de um falo idolatrado, não pode ser “inferior” à mulher, quando esse nunca foi o objetivo. “Assim como eu não acredito que as mulheres são naturalmente inferiores aos homens, também não acredito que elas são naturalmente superiores”, disse ela, em uma entrevista em 1976.
A própria Beauvoir não começou seus estudos se definindo como feminista – em vez disso, ela estudava as propostas de formações sociais e buscava uma forma de propor igualdade. Com o passar do tempo, observou que nenhum modelo tratava as mulheres de forma igualitária em relação aos homens, e seus estudos começaram a mudar de rumo.
Suas declarações eram polêmicas. Quando disse que a maternidade era uma forma de escravidão, por exemplo, foi criticada amplamente. A escravidão a que se referia era o modelo tradicional no qual a mulher nascia para se casar, procriar e cuidar da casa, deixando, assim, de estudar, trabalhar e ter interesses além da cozinha.
Por causa desse tipo de declaração, a autora acabou sendo alvo de perseguição e de pessoas que tentavam tirar os méritos de seus trabalhos. Em discussões feministas modernas, há não apenas discussões sobre a obra de Beauvoir, mas também críticas a essa obra – pode-se dizer, por exemplo, que um dos grandes “pecados” do feminismo moderno foi a ausência de mulheres negras. Se o feminismo é, em princípio e por essência, para todas, por que dar voz somente às mulheres brancas?
Felizmente, assim como toda linha de estudo que está sempre evoluindo, o feminismo de hoje conta não apenas com feministas negras, que precisam de seu papel protagonista, como com feministas transexuais e lésbicas, que também necessitam de representatividade.
Simone de Beauvoir pode ser um dos nomes mais aclamados na área, mas além dela há muitas mulheres que questionaram e que ainda questionam as estruturas sociais, a representatividade política, as medidas tomadas em relação aos casos de misoginia, as questões de gênero e tantos outros assuntos que, por interferirem direta ou indiretamente na vida das pessoas, devem sempre ser debatidos.
No Brasil, atualmente podemos citar o trabalho de Djamila Ribeiro e Maria Clara Araújo como bons exemplos. Duas mulheres que, ao abordarem o feminismo negro e transgênero, vão, aos poucos, ajudando a criar um espaço mais amplo e ideal de debate. Ao contrário do que se pensa, a luta feminista não precisa parar pelo voto ter sido concedido às mulheres. Os problemas que muita gente enfrenta apenas por ser do gênero feminino, não só no Brasil, mas em todo o mundo, ainda são assustadores.
Ver uma citação de Beauvoir em uma prova realizada por milhões de adolescentes tem, sim, um valor histórico muito alto, que nem todo mundo consegue ver. Como dissemos no início do texto, esse tipo de problematização passa a ser mais bem compreendido a partir do momento em que questionamos o universo à nossa volta.
Apelando de novo à primeira pessoa, posso dizer que eu, Daiana, já me referi ao feminismo como um burburinho sem propósito, quando era mais jovem. Foi por meio da curiosidade, do questionamento e da leitura que comecei a abrir minha mente nesse sentido e a desconstruir ideias que, eu nem percebia, não pululavam minha cabeça porque eram minhas, mas porque me foram enfiadas goela abaixo desde que me conheço por gente.
Por mais paradoxal que seja, quando o assunto é feminismo, desconstrução deveria ser sempre a palavra de ordem. Você, leitor que fez o Enem e não gostou da citação de Beauvoir, pode ser contra ou a favor do que quiser. Não estamos querendo convencê-lo a amar o feminismo e a autora em questão. A proposta aqui é a das mais simples: pensar. Pensando, demonstramos curiosidade, e a curiosidade, como você já sabe, é a base de grandes aprendizados e descobertas. Ainda que você discorde de absolutamente tudo o que leu até aqui, não é interessante pelo menos conhecer um pouco mais sobre o tema? 

Atualização

Alguns leitores comentaram a respeito das afirmações de que Beauvoir era nazista e pedófila, então resolvemos falar sobre esses aspectos também. Essa história, que circula em todo o mundo e não apenas no Brasil, teve início em uma publicação no A Voice For Men, quando um homem romeno, que era contra o feminismo, escreveu um artigo com inúmeras informações polêmicas sobre a vida da autora. Esse texto foi traduzido para diversos idiomas, e, desde então, é utilizado como fonte para que novos textos do mesmo estilo sejam publicados. E aí a coisa vira uma bola de neve.
O texto acusa Beauvoir de ser nazista, pedófila, misógina e misândrica – acusações que toda feminista, em menor ou maior grau, já deve ter ouvido. Como dissemos no início do texto, Beauvoir nasceu em 1908 e, portanto, viveu em uma época bem diferente da nossa, presenciando, inclusive, a ocupação nazista na França durante a Segunda Guerra Mundial.
A filósofa trabalhou na Rádio Nacional Francesa, a Radio-Vichy: “Escritores do nosso lado tacitamente adotavam algumas regras. Não se podia escrever nos jornais e nas revistas da zona ocupada nem falar na Rádio Paris; podia-se trabalhar para a imprensa da Zona Livre e para a Radio-Vichy: tudo dependia no sentido dos artigos e programas”, disse ela.
De acordo com a professora de Literatura Francesa e especialista na obra de Beauvoir, a alemã Ingrid Galster, não houve qualquer envolvimento da autora com o regime nazista. Para ler a análise completa e detalhada, clique aqui. Vale lembrar também que a filósofa fugiu da França em 1944 e só retornou depois da desocupação nazista. Neste link é possível fazer o download de um artigo escrito pela professora Susan Suleiman, de Harvard, também sobre o mesmo tema.
Sobre a pedofilia, a acusação tem a ver com o ideal libertário e provocador do casal Beauvoir e Sartre. Como estamos falando de pessoas que viviam em uma época na qual era comum que adolescentes de 15, 16 e 17 anos se casassem, para muitos é chocante que tanto Sartre como Beauvoir tivessem relações com pessoas dessa faixa etária – daí vem a questão da pedofilia.
Muitos assuntos que envolvem a vida sexual e social do casal são utilizados para denegrir a imagem de ambos, mas especialmente a de Beauvoir. Provocadores por natureza e especialistas em causar choques sociais e questionar tabus, são criticados, muitas vezes, por questões que envolvem julgamento de valor. Vai de cada um, então, decidir se o que importa é a contribuição social ou a vida particular de cada pessoa. Aliás, inúmeras intrigas envolvendo figuras públicas são levantadas com base na vida íntima dessas pessoas, e não em seus trabalhos.
No caso do artigo divulgado pelo A Voice For Men, a pedofilia foi fundamentada também a partir do ensaio que Beauvoir publicou em 1959 sobre Brigitte Bardot e a “Síndrome de Lolita”. De novo, voltando à primeira pessoa, posso dizer que, pessoalmente, não concordo com todos os posicionamentos de Beauvoir, mas isso, para mim, não diminui a contribuição dela com o feminismo. Além do mais, me parece fundamental sempre avaliar a questão pelo contexto histórico dentro do qual aconteceu. O que você acha?

POR DAIANA GEREMIAS